Principal 25/08/2025

Inspeção em frigorífico de Marau encontrou gestantes expostas a níveis perigosos de poluição sonora

Ministério Público do Trabalho obteve liminar que obriga empresa a proteger gestantes


O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul obteve, junto à Justiça do Trabalho de Marau, liminar obrigando a empresa BRF S.A. a proteger suas trabalhadoras gestantes afastando-as de ambientes com ruído acima do nível de ação (80dB). A exposição de gestantes a ambientes laborais com ruído excessivo coloca em risco não apenas a saúde e a segurança das trabalhadoras, mas também a vida e o desenvolvimento sadio dos nascituros, constituindo uma grave violação a princípios fundamentais estabelecidos tanto na legislação brasileira quanto na internacional. A decisão atende pedido feito em Ação Civil Pública (ACP) contra a empresa, e é a primeira do gênero sobre o tema no país.

A inspeção

A ACP foi ajuizada pelos procuradores do Trabalho Priscila Dibi Schvarcz, Alexandre Marin Ragagnin e Pedro Guimarães Vieira, após inspeção fiscal entre 10 e 14 de março de 2025 pelo MPT, em conjunto com a Secretaria de Inspeção do Trabalho e outros órgãos parceiros, comprovar graves irregularidades no ambiente de trabalho.

A inspeção foi realizada nas duas unidades da empresa localizadas em Marau: a de abate de aves e a de fabricação de produtos industrializados – somando, ambas, 2,9 mil empregados, conforme informações do Esocial.

A fiscalização revelou que a empresa mantinha gestantes trabalhando em ambientes com nível de ação do ruído muito acima de 80dB, limite estabelecido pelas Normas Regulamentadoras 09 e 15 (NR-09 e NR-15), expondo tanto as funcionárias quanto os fetos em desenvolvimento a riscos concretos e iminentes à saúde e à vida.

Riscos

A intensidade do som é medida em decibéis (dB), escala de uso internacional na qual zero decibel (0dB) é o som mais fraco captado pelo ouvido humano, 10dB representa um aumento de dez vezes essa intensidade, 20 dB representa cem vezes esse aumento, 30dB, mil vezes e assim sucessivamente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sons com intensidade acima de 50dB já causam prejuízo à saúde e, a partir de 55 dB, podem causar estresse e outros efeitos negativos. Em 75dB, a poluição sonora apresenta risco de perda auditiva se o indivíduo estiver exposto por períodos de até oito horas diárias.

Para além dos efeitos auditivos, o Ministério da Saúde reconhece que a exposição a ambiente com ruído excessivo pode ter como consequência outros problemas de natureza não auditiva, provocando alterações no sono e transtornos neurológicos, vestibulares, digestivos, comportamentais, cardiovasculares e hormonais e de comunicação. No julgamento do Tema 155 de Repercussão Geral, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu que esse tipo de consequência não auditiva não é amenizado ou evitado pelo uso de protetores auriculares. Esse reconhecimento é particularmente importante no caso das gestantes, já que, mesmo que fosse possível proteger adequadamente a trabalhadora através do uso de EPI (o que também foi estabelecido que não é o caso), seria impossível proteger o feto em desenvolvimento, que permanece exposto aos efeitos físicos não auditivos do ruído sem qualquer forma de proteção.

Na data da inspeção, trabalhavam nas unidades da BRF 26 gestantes, e só três delas estavam alocadas em setores com ruído abaixo do permitido, Muitas realizavam atividades ao longo de horas no mesmo ambiente de ruído excessivo, aumentando ainda mais os riscos oferecidos.

Correções

Imediatamente após a inspeção, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para sanar no ato as irregularidades emergenciais, e a empresa obedeceu à ordem de afastamento das gestantes do ambiente de risco. Mas, depois, reincidiu na prática e se recusou a assinar um TAC mais abrangente incluindo todas as irregularidades verificadas na vistoria. Assim, o MPT-RS ingressou com a ação na Justiça, com pedido de tutela de urgência para garantir a correção imediata das irregularidades antes mesmo do julgamento do mérito.

Esta é uma de um conjunto de ações ajuizadas pela instituição para garantir a correção de práticas que violam direitos e a dignidade do trabalhador. No dia 8 deste mês, o MPT já havia obtido outra liminar em outra ACP obrigando a empresa a adequar seus vestiários para garantir a privacidade dos trabalhadores durante a troca de uniformes.

A decisão

O juiz do Trabalho substituto Vinicius de Paula Löblein, do Posto da Justiça do Trabalho em Marau, acatou o pedido do MPT-RS e determinou obrigações de fazer e de não fazer para disciplinar a situação no parque laboral da empresa. Pela decisão, a empresa tem:

* Cinco dias para abster-se de manter trabalhadoras gestantes em qualquer ambiente laboral em ambiente com nível de ruído igual ou superior a 80 dB e para realocar as que atualmente se encontram expostas a esse nível de ruído de ação, independentemente do estágio gestacional e/ou da utilização de equipamentos de proteção individual. As gestantes devem ser realocadas mantendo a mesma remuneração,  benefícios e demais direitos trabalhistas.

* Noventa dias para elaborar e implementar um programa específico de gestão em saúde para proteção das gestantes, prevendo, no mínimo, identificação de gestantes mediante comunicação da gravidez e/ou busca ativa realizada pela equipe interna de segurança do trabalho; avaliação dos riscos ocupacionais do posto de trabalho ocupado pela trabalhadora gestante e, se for o caso, realocação imediata e obrigatória quando identificada exposição a agentes nocivos, dentre os quais a exposição a ruído, entre outras medidas.

* Vinte dias para apresentar um relatório comprovando a realocação das gestantes, com indicação do novo setor de lotação e medida de nível de ruído.

O não cumprimento das obrigações é passível de punição com multas no valor de R$ 50 mil por obrigação descumprida e de R$ 2 mil por trabalhadora gestante prejudicada.

Além das adequações, o MPT pede indenização por dano moral coletivo em valor não inferior a R$ 10 milhões, valor que representa 0,07% do capital social da empresa (R$ 13,6 bilhões) e 0,27% do lucro líquido de R$ 3,7 bilhões obtido apenas em 2024. O mérito da ACP ainda aguarda apreciação pela Justiça do Trabalho.

Posição da empresa

A BRF informou que, até o momento, não foi notificada da decisão liminar. "A companhia reforça que já possui um programa de acompanhamento de gestantes que inclui consultas periódicas com equipe de saúde, fornecimento de EPIs adequados a cada função e adequações do ambiente de trabalho de acordo com as necessidades de cada colaboradora. A empresa segue rigorosamente a legislação vigente e reitera seu compromisso com a segurança e integridade dos seus profissionais", disse a empresa em resposta às ações.

Fonte: Ministério Público do Trabalho. 

Autor: Departamento de Jornalismo/Vang FM

Link da notícia: https://www.vangfm.com.br/noticia/inspea-ao-em-frigorifico-de-marau-encontrou-gestantes-expostas-a-niveis-perigosos-de-poluia-ao-sonora/43394
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